Todo mundo já decidiu escrever um livro em algum momento na vida. Ou talvez o correto não seria ‘decidido’, mas pensado, talvez. “Vou escrever um livro sobre essa minha vida desastrada”, etc. A gente tem essa urgência de escrever, como se colocar as coisas no papel fosse uma solução “carta-na-manga” para muitas de nossas angústias. No final, ninguém faz absolutamente nada. Continuamos alimentando nossa frustração diária e dizendo que sim, vou pôr no papel (ou na tela do computador) o acontecimento de hoje para jamais esquecer e livrar de mim tal preocupação.
Quando eu tinha meus 20 anos, fazia cursinho pré-vestibular em uma escola perto de casa. No caminho de casa para lá, uma senhora com um vestido rosa rasgado bem na alça próximo ao pescoço estava aguando as plantinhas em frente as casa dela. Eu caminhava normalmente e ao mesmo tempo lembro de observar aquela cena, que parecia tão simples, mas muito significativa para mim. Era a simplicidade ali, personificada. Era a paz dando de regar às plantas. Essa cena foi pano de fundo de uma crônica minha, que hoje luto para achar em algum CD gravado por aí. Maldita tecnologia que não dura mais nada.
Outra vez, no ônibus, passei pela catraca e uma senhora, talvez nos seus 45-50 anos, estava sentada na janela com a cabeça encostada no vidro. O ônibus estava vazio. Sentei um pouco atrás, mas do outro lado. Olhando com mais atenção eu poderia ver o rosto dela de perfil. Observando a janela tranquilamente, vejo sem querer o rosto dela. E noto que estava molhado. Ela continuava com a cabeça encostada no vidro. O ônibus balançava muito. Foi quando notei uma lágrima caindo, lentamente. A cena foi rápida. Ela limpou em seguida e o lotação teve que parar pois chegara ao destino final. Um mulher chorando, tranquila, dentro de um coletivo. Milhões de razões.
Também no ônibus, certa vez sentei antes da catraca para descansar as pernas. Subiu uma moça, deficiente visual, sozinha. Sentou-se na cadeira em frente a minha. Sacou o celular e colocou-o bem próximo ao ouvido. Em seguida, ela digitava os números e ouvia os sons atentamente, precisamente para saber se eram aqueles mesmos. Ela adaptou-se ao mundo pelos sons de tudo ao seu redor, e agora sabe o “som das letras”. Que som tem o um? E o nove? A fulana que sentou na minha frente sabe. Alguém atendeu e ela conversava amenidades.
Não gosto de ir a cemitérios. É o lugar do fim para muita gente. Não tem como não significar ‘fim’. É o lugar onde sempre caminhamos devagar em um sinal de respeito e vamos em direção aos restos materiais de quem não existe mais aqui. O lugar onde todo mundo é igual, onde não há classes sociais, divisão de classes por quantidade de dinheiro — tudo isto é criação da gente, humanos. Ninguém alcança a luz por ter mais zeros à direita na conta, mas pelo o que fez enquanto em vida. Ou Pablo Escobar não deixou nenhuma lição pra você?
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